quarta-feira, 27 de maio de 2015

Carta relatando a vinda de um imigrante ao Brasil

Esse processo de imigração não foi nada fácil, muitas vezes esse povo era enganado por aqueles agentes de emigração e pagavam suas viagens para os Estados Unidos e desembarcavam no porto de Santos, isso era comum de acontecer, assim como mortes a bordo dos navios, visto que a viagem demorava em média 24 dias e em condições precárias, assim como sua vida no Brasil também acabaria sendo. Esta carta de um desses imigrantes relata como foi sua viagem e o começo de sua vida no Brasil ao seu antigo patrão na Itália:




Aqui temos o texto traduzido por Silvia Scotoni Levy, onde é possível ter uma noção minima referente ao modo como eram tratados esses imigrantes:

“Distinto senhor Dr. Ferdinando Chisini Pieve di Soligo
Depois de um longo silêncio, ora envio ao senhor minhas noticias.
Com grande dor, devo informá-lo da minha terrível sorte. Começarei por dizer-lhe alguma coisa da viagem que foi tão sofrida, que por meu conselho, nem mesmo o meu cachorro, que deixei na Itália, deveria enfrentar tais tribulações. A dita viagem foi extremamente pesada, primeiro Porter enfrentado quatro dias de grandes tempestades, depois, por estarmos numa multidão no navio , e para terminar, tivemos um calor infernal, Finalmente, depois de vinte e seis dias, desembarcamos em Santos. Onde esperávamos dar ao nosso espírito um pouco de alento. Esperávamos ouvir alguma boa noticia, mas quando dirigíamos algumas palavras a algum italiano a resposta não era boa. A cada resposta negativa,crescia o nosso desespero. Imediatamente, fomos embarcados num trem especial que, em 4horas, nos levou à Casa da Imigração, em São Paulo. Lá chegando, nosso desespero ficou ainda maior ao ver uma multidão de pessoas e saber que existia uma grande mortandade de crianças. Quando ao calar da noite, observando toda a família e as minhas pequenas crianças dormindo amontoadas sobre o chão, rodeadas por dez mil pessoas, eu não consigo me dar paz.

De um lado do quarto, chorava uma mulher, do outro, um homem. Observando as crianças e sentindo-me culpado por tê-las feito passar por tantas provações, digo-lhe Sr. Patrão, que não consegui parar de chorar toda a noite e assim passamos nosso primeiro dia de repouso na América.

Finalmente, depois de quatro dias, fomos levados de São Paulo a Santa Tereza, o nosso destino. Lá chegando, vimos que nossa habitação ainda não estava preparada e então tivemos que dormir. 139 pessoas, em uma pequena casa. Vendo os italianos que moravam nessa fazenda havia cinco meses e observando os seus filhos pequenos com pés e pernas completamente tomados por feridas provocadas por mordidas de insetos, o que não lhes permitia nem sequer ficar de pé, digo a verdade ao Senhor que, ao ver aquela imagem me pus a chorar e fugi dos meus filhos. Eu não teria tido coragem d me reaproximar deles, se meu pai não tivesse vindo me buscar e me conduzido de novo junto deles.

Chorando, descrevo ao Senhor que, depois de poucos dias, todos os meus filhos e as mulheres adoeceram e nós, que trouxemos onze filhos, agora ficamos apenas com cinco; os outros, nós perdemos. Deixo ao Senhor para considerar o grau de nosso desespero e lhe digo que, se tivesse tido o poder, não teria parado na América nem mesmo uma hora. Espero que o bom Deus me empreste vida a mais, para que o mais breve possível eu posa conduzir o resto de meus filhos para a Itália. Por meus conselhos, não partirá nenhuma pessoa daí para vir à América, porque eu teria a morte antes de partir.

As coisas seriam muito boas se os sacerdotes fossem doutores e se encontrássemos tudo o que necessitamos, como encontramos na Itália, porque, aqui aquele que trabalha com vontade e goza de boa saúde ganha muito dinheiro. Porém, se adoece quinze dias, gasta todas as economias com os remédios e outras coisas. Uma visita do doutor custa trinta florins.

Por ora termino, mas não sem antes pedir ao Senhor e a todos os seus que rezem por minha família, para que Deus nos conserve a saúde e possamos nos rever em breve na Itália.

Perdoe-me de tal incômodo, mas faça-me o favor d entregar esta carta ao seu destino, na primeira oportunidade. Se for do seu agrado dar-me resposta desejo ter notícias suas.

Agora receba de minha parte e de toda minha família as mais cordiais saudações e, ao mesmo tempo, me faça o favor de saudar toda a sua família.
Adeus”

O seu desventurado servo
Rosolen Bortolo
O meu endereço é América-Brasil
Província de São Paulo - Estação Cordeiro - Santa Tereza




Referência:
Júnior, José Eduardo Heflinger. E os Italianos Chegaram. Unigráfica, 2010. Vol. 4
Franzina,  Emilio. Merica! Merica! Emigrazione e colonizzazione nelle lettere dei contadini veneti e friulani in America latina (1876-1902). Cierre Edizioni, 1994

Um comentário:

  1. Que relato triste. Já havia ouvido histórias, mas ainda não tinha lido o relato escrito pelo próprio emigrante... É triste pensar que meus trisavós e suas crianças passaram por isso. Infelizmente, não os conheci. Vieram em 1897.

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